18/02/2009 - 08h21
Terapia celular gera tumor cerebral em garoto, diz estudo
CLÁUDIA COLLUCCIJULLIANE SILVEIRA FLÁVIA MANTOVANI da Folha de S.Paulo
Um estudo israelense relacionou, pela primeira vez, o surgimento de um tumor cerebral em um garoto a um tratamento com células-tronco que ele havia feito cinco anos antes na Rússia. O trabalho demonstrou, por meio de marcadores celulares, que o câncer desenvolvido pelo menino veio das células implantadas.
Para pesquisadores brasileiros, o estudo é muito importante porque mostra os riscos da terapia com células-tronco realizada fora de protocolos científicos de pesquisa. No Brasil, alguns pacientes têm viajado ao exterior, especialmente à China, em busca dessas terapias.
O garoto cujo caso clínico foi relatado na pesquisa é de Israel e tem origem marroquina. Ele é portador de ataxia-telangiectasia, uma doença neurológica degenerativa, que leva a tremores, paralisia e morte.
A autora do estudo, Ninette Amariglio, do Sheba Medical Center (Israel), disse à Folha que os pais do garoto, que moram em Israel, foram advertidos para os riscos do tratamento na Rússia.
"Nós dissemos que eles não deveriam ir para lá, pois a terapia ainda não foi suficientemente testada. Na Rússia, eles usam a terapia com células-tronco basicamente para fins cosméticos [antienvelhecimento], em adultos e pessoas mais velhas. Não havia sido feito teste em crianças."
Amariglio explica que, além de desenvolver o câncer, o garoto não teve nenhuma melhora nos sintomas da doença. "Precisamos considerar que o caso se refere a uma criança e que qualquer célula que colocamos em uma criança vai crescer de maneira diferente do que em adultos. O corpo está em desenvolvimento, todo o organismo ainda está crescendo, não há 'freios'. Em adultos talvez seja menos perigoso."
Origem do tumor
O geneticista Carlos Alberto Moreira Filho, professor da Faculdade de Medicina da USP, explica que, embora a ataxia-telangiectasia também possa causar câncer, especialmente leucemia e tumores cerebrais, o estudo não deixa dúvidas de que o tumor do menino se originou das células transplantadas. "Eles conseguiram demonstrar que o garoto havia recebido células-tronco de dois fetos diferentes e que foram elas que deram origem ao tumor cerebral."
Segundo Moreira Filho, ainda não há segurança para o uso da terapia celular na prática clínica. "Fizemos alguns experimentos in vitro que mostraram que até células de cordão umbilical, quando você tenta multiplicá-las, podem expressar antígenos tumorais."
Para a geneticista Lygia da Veiga Pereira, professora da USP, sob o ponto de vista científico, a terapia com células-tronco recebida pelo garoto na Rússia não pode nem ser considerada. "Não sei quais células foram injetadas, se elas foram cultivadas ou não ou a que tipo de manipulação essas células foram submetidas."
Pereira avalia que o estudo é importante porque mostra os riscos envolvidos em um tratamento com células-tronco não consagrado pela comunidade médico-científica. "É um perigo recorrer a essas clinicazinhas que oferecem tratamento com células-tronco pela internet. É muito charlatanismo."
Tanto ela quanto a geneticista Mayana Zatz, também da USP, ponderam que o estudo não pode servir de desestímulo para o desenvolvimento de pesquisas com células-tronco. "Tudo pode ser perigoso se for feito de maneira irresponsável", diz Pereira.
Ninette Amariglio, de Israel, concorda: "Pesquisadores precisam monitorar e acompanhar esses pacientes de maneira muito cuidadosa. Eles devem manter essa história como exemplo, não devem parar de pesquisar, mas devem pesquisar mais atentos, o que não aconteceu na Rússia, onde ocorre o turismo médico."
Na avaliação de Salmo Raskin, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, a importância do artigo está em mostrar que os cientistas ainda têm muito a aprender sobre células-tronco não adultas.
"O caso confirma que as suspeitas de que células-tronco podem originar tumores em humanos não são mais suspeitas e que precisamos pesquisar muito para descobrir como reverter isso. As regulações que estão sendo feitas hoje estão corretas. Infelizmente, as pessoas não podem querer que essas terapias estejam disponíveis amanhã", afirma.
Raskin diz que entende a atitude dos pais em buscar qualquer tratamento existente, mesmo que ainda não tenha o embasamento adequado. "É compreensível que pais desesperados topem qualquer coisa. O que não compreendo é um médico topar qualquer coisa."
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