Maconha do cérebro’ salva células-tronco
Estímulo a fechaduras químicas da droga impediu morte de pré-neurônios. Achado pode facilitar produção de células nervosas em laboratório
Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) descobriram uma maneira aparentemente simples de salvar da morte as células-tronco que estão a caminho de se transformar em neurônios: basta estimular nelas a mesma fechadura química que “recebe” o princípio ativo da maconha no cérebro. É uma peça curiosa no quebra-cabeça das células-tronco embrionárias, capazes de assumir a função de virtualmente qualquer tecido mas ainda indomadas no laboratório. A pesquisa foi apresentada pelo aluno de mestrado Jader Nones durante a XXII Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental, realizada em Águas de Lindóia (interior de SP). Junto com seu orientador, Stevens Kastrup Rehen, Nones está tentando criar maneiras mais apuradas de transformar as células-tronco, de seu estágio inicial e não-especializado, em células nervosas, úteis para estudar doenças neurodegenerativas ou, quem sabe, tratá-las.
Um dos passos-chaves no estudo das células-tronco embrionárias é a formação dos chamados corpos embrióides. Essas esferas cheias de células apresentam os primeiros passos na especialização celular, com o aparecimento dos tipos básicos de tecido humano. Nessa fase, os pesquisadores da UFRJ usam o ácido retinóico, que ajuda as células a se encaminharem para a forma de neurônio. Mas há um porém. “Tem uma mortalidade celular que é intrínseca à diferenciação causada pelo ácido retinóico”, explica Rehen. Com isso, perdem-se células.
A equipe se perguntou, então, o que aconteceria se fosse estimulado o sistema canabinóide. Como o nome, derivado de Cannabis (a alcunha científica da maconha), sugere, esse sistema ajuda a absorver substâncias cuja estrutura molecular se parece com a do princípio ativo da erva. O próprio organismo produz essas substâncias, que desempenham uma série de funções importantes no sistema nervoso e imune, por exemplo. “Em neurônios adultos já havia indícios de uma ação protetora do sistema canabinóide”, conta Nones.
De fato, entre as células que sobreviviam à ação do ácido retinóico, muitas apresentavam uma ação aumentada do CB1, justamente um dos receptores (fechaduras químicas) que permitem a ação dos canabinóides. Nones, então, testou o que aconteceria se fosse adicionada às células uma substância que favorecesse a ação do CB1. O resultado? A mortalidade das células-tronco em fase de especialização caiu 50%. “E isso sem afetar a proliferação celular”, afirma Rehen. Nones também conduziu experimentos que sugerem uma ação específica do CB1: quando outra substância, capaz de deter a ação do receptor, entrou na equação, o efeito protetor desaparecia.
“A expectativa é você ter uma produção maior de neurônios do que a que você teria numa situação sem o canabinóide. Isso sem contar que é interessante ver que o sistema canabinóide está influenciando a morte celular associada à diferenciação”, explica Rehen. Os cobiçados neurônios que um dia poderão ser usados para regenerar um cérebro afetado pelo mal de Parkinson agradecem. O repórter Reinaldo José Lopes viajou a convite da Fesbe.
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